terça-feira, 28 de setembro de 2010

FHC, a salvo desta triste campanha

 
Estamos chegando na data do primeiro turno das eleições e até agora, salvo engano (se alguém tiver algum outro material será muito bem vindo) o PSDB, abriu mão de utilizar a imagem de FHC na campanha.
Só o candidato a senador por São Paulo, Aloysio Nunes, trouxe o depoimento de apoio explícito.
Pensei sobre isto de diversas maneiras, primeiro achei que era burrice do PSDB se deixar pautar pelos adversários e acreditar que FHC tira votos, depois achei que talvez o povo em geral não tem condições de analisar a contribuição de FHC para a situação de bem estar de hoje (que é puramente contábil, uns trocados a mais mesmo...), que só é possível porque Lula herdou e não mexeu na política econômica.
Mas indo um pouco mais a fundo talvez FHC não combine mesmo com esta campanha presidencial, como também não combinariam Tancredo, Ulysses, Covas, Teotônio e outros grandes da nossa política.
O olhar sincero, o temperamento democrático, a vida publica ilibada, a análise profunda o gosto pelo contraditório o pensamento estratégico de buscar entender e equacionar as grandes questões as que são como se diz determinantes do futuro que se almeja com isto se identifica FHC e não com esta era da política onde tudo lembra muito “Sucupira” e nós estamos gostosamente nos deixando guiar pelos Odoricos.
O PSDB talvez tenha no fim poupado FHC de descer a esta arena ou picadeiro dependendo se a luz ilumina falsos heróis ou palhaços.

domingo, 26 de setembro de 2010

Marina, mostra que honestidade intelectual faz bem ao meio ambiente

(em entrevista a Folha de São Paulo)

Marina Silva, candidata pelo PV mostra que honestidade intelectual faz bem...

A sra. ficou sozinha na defesa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ?
As pessoas perguntam por que falo do Plano Real e do FHC, se nem o Serra o defende. Dizem que tira voto. Não falo para ganhar voto, falo porque é justo. Reconhecer ganhos do Real e da política social de Lula é ter um olhar honesto para a História.

sábado, 25 de setembro de 2010

FHC. Direto ao ponto acertando governo e oposição

FHC, e o momento do Brasil e de Lula...
  • O erro de mitificar Lula
  • O fim da discussão e das reformas para avançar (o nó da infraestrutura, seja física ou educacional)
  • O sucesso de Lula foi o de manter o que antes combatia
Ao FT, FHC diz que oposição 'errou ao mitificar Lula'

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso critica a oposição por "mitificar" o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na entrevista, ele admite ainda que a candidata oficial, Dilma Rousseff, é a mais provável vencedora das eleições presidenciais do dia 3 de outubro.
Em artigo de página inteira publicada na edição deste sábado do diário financeiro, FHC diz, entretanto, que "Lula não é nenhum revolucionário".
"É um Lech Walesa que deu certo", afirma, referindo-se ao sindicalista que presidiu a Polônia comunista durante a transição para o capitalismo, terminando seu governo com popularidade em baixa. "Eu fiz as reformas. Ele surfa na onda", disse FHC.
O artigo é parte da seção "Um almoço com o FT". O correspondente narra o encontro que teve com FHC a três semanas das eleições no restaurante Carlota, em Higienópolis, bairro onde vive o sociólogo.
Para o FT, "embora tanto o mundo quanto o Brasil tenham se apaixonado por seu sucessor, o presidente Lula, Cardoso é o homem amplamente creditado, pelo menos no exterior, com o estabelecimento dos fundamentos do boom" que marcou os últimos anos da economia brasileira.
FHC, ministro da Fazenda durante o plano real, que pôs fim a décadas de hiperinflação no Brasil em meados dos anos 1990, é descrito pelo FT como o responsável por colocar o "B" na sigla Bric – cunhada pelo Banco Goldman Sachs em 2001 e hoje uma espécie de marca para se referir às principais potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China).
Ao jornal britânico, FHC disse que conseguiu "fazer o Brasil avançar" durante sua gestão; já o governo Lula, opina, "anestesiou" o Brasil. O ex-presidente diz que durante sua gestão havia muita discussão sobre como levar as reformas adiante e reduzir o custo Brasil. "Depois elas (as discussões) pararam", afirmou.
Quando a entrevista se encaminha para as eleições de 3 de outubro, relata o FT, o ex-presidente revela "frustração" em seu tom de voz.
"A oposição errou", diz. "Permitimos a mistificação de Lula. Mas Lula não é nenhum revolucionário. Ele saiu da classe trabalhadora e se comporta como se fosse parte da velha elite conservadora."
"Eu sugiro que nós já sabemos quem vai ganhar as eleições", escreve o repórter do jornal. "'Sim', admite FHC - Dilma Rousseff, a candidata do Partido Trabalhista de Lula."
Questionado sobre como crê que Lula será lembrado pela história, FHC responde: "Acho que será lembrado pelo crescimento e pela continuidade, e por colocar mais ênfase no gasto social".
'Herdeiro'
Em uma nota ilustrativa na mesma página, como parte da mesma reportagem, o criador da sigla Bric, o economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O'Neill, se questiona se Lula poderia ser "um descendente de Cardoso em uma fantasia engenhosa".
Ele argumenta que um dos méritos de Lula foi manter as políticas econômicas da era FHC, em especial as metas de inflação e o regime de flutuação do real.
"Lula quer ser visto como o líder mais bem sucedido do G20 na última década. Mas às vezes paro e me pergunto se ele não seria um descendente direto de Cardoso em uma fantasia engenhosa. Pois foi muito do que ele herdou de Cardoso que deu a Lula a plataforma de tal sucesso", escreve O'Neill.
Para o economista, a inteligência de Lula foi "manter muito do que herdou". "Outro fator de sucesso de Lula tem sido sua sintonia com as massas, o que lhe permitiu traduzir os benefícios da estabilidade para muitos", escreveu O’Neill.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ruth Cardoso: ela mudou o social


O Globo - RJ 20/12/2008
Demétrio Weber e Adauri Antunes Barbosa
Antropóloga, pesquisadora, professora da Universidade de São Paulo (USP), a primeira-dama Ruth Cardoso transformou a política social no Brasil nos oito anos em que esteve no poder ao lado do marido, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, seu companheiro por 55 anos. Decretou o fim da Legião Brasileira de Assistência (LBA), baniu o clientelismo, criou o Comunidade Solidária, impôs suas convicções em defesa de um novo modelo de ação social, em parceria com a sociedade, e imprimiu estilo inovador e discreto ao cargo de primeira-dama. Sua morte, em 25 de junho deste ano, aos 77 anos, após infarto fulminante, uniu na dor o ex-presidente Fernando Henrique e o presidente Lula, num exemplo do reconhecimento unânime de seu legado, que resulta agora na escolha de Ruth Cardoso como Personalidade do Ano do Prêmio Faz Diferença do GLOBO.
— A obsessão da Ruth era romper com o clientelismo — diz o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), que foi ministro da Educação nos oito anos do governo Fernando Henrique.
O desafio era imenso. Já em 1995, quando Fernando Henrique tomou posse no Planalto, foi extinta a LBA, foco de desvios de verbas e clientelismo no governo Collor, sob a gestão da primeiradama Rosane Collor. Ruth imprimiu outra lógica. Ela presidia o conselho do Comunidade Solidária, cuja tarefa era coordenar ações de diferentes ministérios e articular parcerias com a iniciativa privada. Paulo Renato lembra que Ruth tinha identidade própria: a formação acadêmica e a militância social vinham antes da condição de primeira-dama. Outros ex-colaboradores exaltam o trabalho da época.
— O Comunidade Solidária rompeu com a cultura clientelista no combate à pobreza. Deu nova feição às políticas públicas, enfrentando a pobreza de forma mais abrangente, com projetos de educação, trabalho, saúde, saneamento.
Os recursos eram alocados de forma transparente — diz a socióloga Anna Maria Peliano, secretáriaexecutiva do programa de 1995 a 98.
Para o atual ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, Ruth pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula: — Tenho grande respeito pela memória da dona Ruth Cardoso, pelo que ela representou no plano acadêmico, das pesquisas, como uma grande e notável educadora. Quando lançou no governo do presidente Fernando Henrique o programa Comunidade Solidária, ela pautou a questão social dos pobres, dos excluídos e dos trabalhadores de baixa renda — diz Patrus.
Anna Peliano é hoje coordenadora de Estudos de Responsabilidade Social no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília.
Ela destaca a ênfase dada por Ruth às parcerias com a iniciativa privada, uma forma de mobilizar a sociedade e driblar a falta de recursos.
Ela dava ênfase à educação e ao diálogo
Foi assim que surgiu o Alfabetização Solidária, cujo objetivo era combater o analfabetismo de jovens e adultos. O projeto teve continuidade depois do governo FH: deu origem a uma organização não-governamental, a Alfasol, que já atendeu mais de cinco milhões de iletrados.
O Universidade Solidária mobilizava instituições de ensino superior, enviando estudantes a regiões pobres para trabalhos sociais. Segundo Anna Peliano, Ruth vibrava com os relatos de universitários que voltavam dos grotões. E considerava indispensável avaliar os resultados.
— Ela tinha formação acadêmica sólida e diferenciada, que lhe permitiu dar ênfase à educação.
Tinha experiência de trabalho em ONGs, o que lhe ajudava no diálogo com a sociedade.
E uma vivência de militância em prol dos direitos sociais que lhe dava a visão de política enquanto direito — diz Anna.
— A maior contribuição da Ruth foi mostrar uma nova maneira de fazer política social. Uma forma participativa, com envolvimento da sociedade junto com o poder público e que significou uma inovação para tudo o que já se havia feito no Brasil e no exterior. Todos os programas sociais conhecidos até então eram estatais.
Desde a sua concepção, o Comunidade Solidária buscava a inovação, o envolvimento da comunidade — observa Paulo Renato.
Para Patrus, o esforço de Ruth Cardoso está na origem das atuais políticas sociais: —A professora Ruth Cardoso teve um papel muito importante na retomada da temática social e colocou para nós todos o início de um processo que encontra agora a sua expressão maior nas obras e nos programas sociais que estamos implementando no governo do presidente Lula, especialmente no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
O governador tucano José Serra, de São Paulo, diz que as homenagens à amiga Ruth Cardoso fazem o país se revelar: — Pouco antes de sua morte, o presidente John Kennedy, ao participar de uma homenagem ao poeta Robert Frost, disse que uma nação se revela não apenas pelos indivíduos que produz, mas também por aqueles que decide homenagear.
O Brasil se revelou grande neste ano pelas tantas coisas boas e justas que foram ditas a respeito da Ruth Cardoso. O que se viu foi raro, muito raro, entre nós. Elogios à discrição, à dignidade, à simplicidade, à coerência, ao rigor intelectual, ao ativismo solidário conseqüente e inovador desta pessoa tão especial que nos deixou.
Ruth nos lembrou a todos as nossas melhores virtudes, nela reunidas de maneira exemplar.
Lola Berlinck, coordenadora da Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária (AAPCS), disse que o Faz Diferença para Ruth Cardoso é muito apropriado: — A Ruth é uma pessoa que realmente fez muita diferença no trabalho social no Brasil. Ela fez muita diferença no combate ao fim do assistencialismo e das práticas assistencialistas.
Ela introduziu o conceito do desenvolvimento humano na prática social brasileira e, em seguida, do desenvolvimento social — disse.
Pelo trabalho que tinha feito como pesquisadora, antropóloga, ela acreditava, segundo a presidenta da AAPCS, que havia uma rede de suporte ao desenvolvimento social já posta no Brasil, que eram as ONGs de base.
— E ela fez muita diferença no movimento de fortalecimento dessas ONGs. Não eram ONGs grandes como aquelas da década de 90, de pessoas nobres e destacadas, mas eram aquelas que lutavam pelo bem e pela qualidade de vida do bairro das comunidades mais próximas. A Ruth fez a diferença por aí. Outra grande diferença que ela fez foi a dizer o seguinte: essas ONGs de base podem atuar em espaços em que o Estado está muito distante e não enxerga as necessidades que podem alavancar mudanças. A partir dela tudo mudou. Isso é disseminado — afirmou.
Para o ex-ministro Celso Lafer, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Ruth conhecia o país e os movimentos sociais: — Ela tinha clareza quanto à importância da sociedade e que cabia fazer coisas não apenas no plano do Estado, mas também no plano da sociedade.
Foi com base nisso que concebeu o Comunidade Solidária, que significava deixar de lado o tradicional assistencialismo e tentar ensinar às pessoas a serem elas mesmas com educação e com conhecimento do seu próprio potencial.
É o que pensa também Regina Esteves, presidenta da Alfabetização Solidária: — A gente que trabalhou com ela durante 13 anos pode dizer: foi uma oportunidade de fazer um doutorado na prática. Ela não era só uma teórica, mas também preocupada com a aplicação das teorias, com o resultado prático do trabalho.
Para Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo, o trabalho dela foi uma das coisas mais importantes na evolução das políticas sociais brasileiras “por ter conseguido aliar o trabalho acadêmico com uma prática política muito importante”: — Isso se reflete muito claramente nas ações do Comunidade Solidária e de como foram organizadas as parcerias público-privadas para desenvolver políticas sociais no Brasil. Ruth sempre teve uma enorme preocupação com a participação política, com o protagonismo das pessoas.
Então, todo o esforço dela era no sentido de fazer com que as pessoas participassem cada vez mais e se tornassem autônomas e realmente responsáveis pelas ações que estavam desenvolvendo.
Ela tinha horror a qualquer forma de paternalismo, de dirigismo estatal
Foi ela, lembrou Cláudia Costin, futura secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, quem trouxe a noção de política social para o Brasil: — Até então existiam estudos sobre política social, mas não existia uma concepção não clientelista. Dona Ruth pôs a política social na agenda em uma abordagem não clientelista, com a idéia de que se deve monitorar os avanços, de que há um espaço para a participação sociedade civil, não só na implementação, mas como parceira de política pública.
Integrante da Comunidade Solidária, a médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, conviveu com dona Ruth Cardoso: — Ela fez de tudo para que o país tivesse programas oficiais que fossem capazes de diminuir desigualdades sociais.
Paulista de Araraquara, Ruth Cardoso era doutora em antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Fez pós-doutorado na Universidade de Columbia em Nova York e também foi professora em universidades americanas e inglesas. Entre os programas sociais desenvolvidos pela ex-primeiradama na gestão Fernando Henrique estavam o Alfabetização Solidária, que chegou a alfabetizar mais de 2,5 milhões de jovens nos municípios mais pobres do país, o Universidade Solidária, que mobilizava estudantes e professores universitários para ações de desenvolvimento social, e o Capacitação Solidária, que treinou mais de cem mil jovens para o mercado de trabalho nas grandes regiões metropolitanas.
A atuação social continuou, fora do governo: ela se dedicou ao comando da ONG Comunitas, responsável por programas sociais e de voluntariado.
Foi vigilante, dentro e fora do governo. Respeitada até por adversários políticos, a antropóloga que detestava ser chamada de primeira-dama se transformou em uma crítica da política social do governo Lula, que considerava assistencialista. Em 1994, antes da posse do marido, no primeiro mandato, comprou briga com o PFL, maior aliado na campanha de Fernando Henrique, ao afirmar: “O PFL tem Antonio Carlos (Magalhães), mas tem Gustavo Krause e Reinhold Stephanes”. Na época, Fernando Henrique considerou a frase infeliz e pediu desculpas formais a ACM. Ela também chamou o PFL de “fisiológico” e disse que o partido mudara “não porque é bonzinho, mas porque perdeu poder.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A última tentação

A jovem democracia de nossa nação não pode ser mão única da vontade dos mais exaltados, sem contrapesos e processos de depuração.
Acompanhando os últimos acontecimentos da vida política do país fica um sentimento de ausência, de perda, estranhamos o silêncio a falta de indignação e buscamos os caras pintadas, o panelaço, enfim qualquer barulho, grito que desperte a fúria e mova a todos num basta, estabelecendo um limite do mínimo aceitável de caráter, honestidade e transparência.
Será que era isto que nossa nação buscava? Basta o pão, pão dado, favor e chantagem. Se tivermos pão então tudo vale? Será que auto-estima do brasileiro é assim tão baixa que a multidão agraciada pelo “favor” do pão acha que é só isto que merece? Onde a saída para não mais depender da benesse do governo que se orgulha não dos que progrediram (porque há poucos); se orgulha de aumentar o volume dos beneficiados na lógica rasteira do voto.
Existe uma sensação de bem estar é verdade, e isto tem muito da alma brasileira de que sempre o melhor esta no amanhã, mas esta sensação não pode nos anestesiar, ainda vale a conversa o convencimento pelas idéias a resistência dentro das regras.
A última tentação da truculência do caudilho é a de “que somos todos iguais” então não há pelo que lutar.

"Acabar com a desigualdade não é tudo" FHC


Entrevista publicada no Estadão deste domingo. 


Rui Nogueira
Acabar com a desigualdade não é tudo; os maus exemplos no comportamento político têm um viés de “democracia popular”; os laços com o corporativismo são fortes, significam um retrocesso e “não são um bom manto para a democracia”.
A síntese é acrescida da percepção de que “há abuso de poder político” e foi feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Ele diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma “assombrosa conversão ao passado”.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no início da semana.
O sr. não acha que os exageros retóricos do presidente Lula vão além da circunstância eleitoral e podem estar desligando da tomada os aparelhos da democracia?
Sinceramente, não acho que o presidente Lula tenha uma estratégia nessa direção. Acho que a democracia tem raízes fortes no País, a sociedade é muito diversificada, a sociedade civil é mais autônoma do que se pensa, as empresas são poderosas, a mídia é poderosa. Não acho que o Lula tenha um projeto para cercear a democracia. O que ele tem é uma prática que, às vezes, excede o limite. E, quando isso acontece, eu me manifesto. A democracia não é um fato dado, é uma constante luta. Se a gente começa a fechar os olhos às pequenas transgressões, se elas vão se acumulando, isso tudo distorce o sentido das coisas.
Há algum problema na origem da nossa cultura política?
Sim, a nossa cultura política não é democrática. Nós aceitamos a transgressão com mais facilidade, nós aceitamos a desigualdade perante a lei, para não falar das outras desigualdades aceitas com mais facilidade ainda. Você tem um arcabouço democrático, mas o espírito da democracia não está consolidado.
E de quem é a culpa?
Não é de ninguém. Mas a responsabilidade para não quebrar esse arcabouço e reforçar o espírito da democracia é de quem tem voz pública. O presidente da República é responsável porque a conduta dele, no bom e no mau sentido, é tomada como exemplar. Portanto, ninguém é culpado, mas há responsáveis.
De que maneira explícita pode então ser atribuída uma cota de responsabilidade nesse processo ao presidente Lula?
Uma das coisas que mais me surpreendeu na trajetória política do presidente Lula foi a absorção por ele do que há de pior na cultura do conservadorismo, do comportamento tradicional. Ele simplesmente não inovou na política.
Dê exemplos.
O Lula adotou o clientelismo. Veja o caso do Amapá, onde o presidente Lula pede voto no fulano e fulano porque é amigo. Depois se descobre que o fulano está envolvido em escândalos, mas aí desenrola-se uma mistificação dizendo que nunca se puniu tanto como no governo dele. Isso é um comportamento absolutamente tradicional. Desde quando passou a mão na cabeça dos aloprados, o critério é sempre esse. No fundo, o Lula regrediu ao Império, aplicando a regra do “aos inimigos a lei, aos amigos a lei”. Ele não inovou do ponto de vista político, mas poderia ter inovado.
O sr. esperava um presidente Lula mais democrático, mas está apontando traços caudilhescos no comportamento dele.
O PT quando foi criado se opunha ao corporativismo herdado do fascismo e de Getúlio Vargas. No poder, o que vemos é que ele ampliou esse corporativismo. O PT trata esse corporativismo como se fosse um movimento da sociedade, quando nós estamos diante da ligação de grupos corporativistas ao Estado e o controle desses grupos pelo Estado.
Responda “sim” ou “não” a esta pergunta: Lula tem alguma tentação a cultivar uma variante para a democracia popular?
Sim.
Explique a resposta.
Lula não tem esse propósito, mas a recorrência do linguajar político e a forma de agir levam à crença de que o que vale é ter maioria. E democracia popular é o quê? A democracia é mais do que ter maioria, o que é conquistado à força pelas ditas democracias populares. Democracia também é respeito à lei, respeito à Constituição, respeito às minorias e à diversidade. Tudo isso é obscurecido nas democracias populares, onde se entende que, se você tem a maioria, você tem tudo e pode tudo. Tem o direito de fazer o que bem entender. O presidente Lula não pensa em fazer isso, mas essas são as consequências do comportamento político que ele tem. Precisa ter limites.
Concretamente, que tipo de limite deveria ser imposto ao presidente Lula?
Não se pode, por exemplo, ver o presidente, todos os dias, jogar o seu peso político na campanha eleitoral. E vem agora uma senhora recém-empossada como ministra-chefe da Casa Civil (N.R.: Erenice Guerra, que caiu na quinta-feira, um dia depois da gravação desta entrevista) acusar o principal candidato da oposição, o José Serra, de “aético”. Acusa por quê? Porque o candidato está protestando contra a violação do sigilo fiscal de sua família. Ela não tem expressão política alguma, mas baseia a acusação no quê? No princípio de que quem pode e quem não pode se sacode.
O sr. foi surpreendido com o discurso do “nunca antes neste País” do presidente Lula?
De alguma maneira, sim, mas nem tanto. O comportamento do Lula, mesmo no tempo de líder da oposição, sempre foi de uma pessoa loquaz, fácil de apreender as circunstâncias políticas, muito mais tático do que estratégico. Ele falou em “metamorfose ambulante” e isso explica bem o seu estilo e caracteriza bem o seu traço de conservadorismo.
Qual foi, então, a sua grande surpresa com Lula?
Achei que ele fosse mais inovador, capaz de deixar uma herança política democrática, mostrando que o sentimento popular, a incorporação da massa à política e a incorporação social podem conviver com a democracia, não pensar que isso só pode ser feito por caudilhos como Perón, Chávez etc. Essa é, aliás, a imagem que o mundo tem do Lula, que ele está incorporando os excluídos – o que já vinha do meu governo, a partir da estabilização econômica, mas é verdade que ele acelerou. Mas Lula está a todo o instante desprezando o componente democrático para ficar na posição de caudilho.
O que está na origem dessa tentação?
Na Europa, já não é mais assim, mas em alguns lugares ainda se acha que acabar com a desigualdade é tudo, que vale tudo para acabar com a desigualdade. Valia até apoiar o regime stalinista, o que Lula nunca foi. O que ele tinha de inovador é que o PT falava de democracia, um lado que está sendo esquecido. Nunca disse uma palavra forte em favor dos direitos humanos. Pode, perfeitamente, dizer que o caso nuclear do Irã não pode servir para atacar o país, lembrar o Iraque, mas, ao mesmo tempo, tem de ter uma palavra forte em defesa de uma mulher que pode morrer apedrejada.
O sr. já disse que o governo Lula tem realizações próprias suficientes para não precisar ser “mesquinho” e usar esse “nunca antes neste País”. Por exemplo?
O governo do presidente Lula atuou bem diante da crise financeira mundial (2008/2009). Isso não é fruto do passado, é fruto do presente. Nas outras áreas, ele deu bem continuidade, mas na crise podíamos ter naufragado e ele não deixou naufragar.
Outro exemplo de bom serviço prestado pelo governo Lula ao País?
Não sei qual a razão, mas o Lula acertou ao não engordar o debate sobre o terceiro mandato. Não sei se está ou não arrependido, mas o certo é que ele não engordou esse debate.
Em compensação, entrou na campanha com se estivesse disputando o terceiro mandato.
E não precisava. Ele podia atuar dentro da regras democráticas, mas está usando o poder político para forçar situações eleitorais. Há até um movimento em que ele se envolve para derrotar senadores da oposição, parece um ato de vingança porque não gostou da atuação deles no parlamento.
A jornalista e colunista do Estado Dora Kramer falou, há dias, de uma “academia inativa por iniciativa própria”. É isso?
A frase pode ser um pouco forte, tem muito intelectual opinando, mas a academia está muito distante da vida, produzindo análises vazias. Lidam mais com conceitos do que com a realidade. Falam muito sobre livros, em vez de falar e escrever sobre o processo da vida. Houve, sim, um afastamento da academia desses desafios. A situação do País é boa, a começar pela situação econômica e social, e isso paralisa muita gente, mas a academia é que tem de manter o senso crítico, alertar, dizer o que está acontecendo e que merece reparos.

sábado, 11 de setembro de 2010

Os que falam bem...


Neste tempos em que a exaltação do personalismo de Lula cria um contraste com a liturgia de FHC, quanto mais o primeiro ofende o bom senso e as leis mais destaca no outro as qualidades que quer fazer o povo esquecer. O tempo é curto e a história longa, e o julgamento da história se dara aos dois fazendo um contraste do outro.
Mas vamos ao artigo do Victor Hugo Soares no blog do Noblat.
"Goste ou não de FHC, é preciso tirar o chapeu e reconhecer: a entrevista na revista semanal o coloca em lugar de destaque entre aquele que Ulysses Guimarães definia em seu famoso decálogo do "verdadeiros estadistas".
Alijado da campanha tucana, "que prefere usar a imagem de Lula à dele, FHC dexa claro que está insatisfeito e ataca os marqueteiros de Serra", enquanto arruma as malas para uma viagem para fora do país, "por motivos particulares". Anda magoado porque considera que o País mudou em seu governo "e agora o Serra faz uma campanha escondendo que quem mudou o país fomos nós". Mas quanta verdade e sutilidade nas queixa sobre a campanha tucana."Eu não quero colocar toda responsabilidade nele (Serra). É todo mundo. É preciso mais tenacidade, motivação. Serra é professor, sabe falar de maneira clara. Há mil modos de se comunicar com o povo". Qual a receita? "Não há, mas nesse tipo de situação, a meu ver, você tem que convencer, ser espontâneo, fazer graça e ser contundente também. Tem que misturar tudo isso e mostrar que tem garra", ensina.
FHC deixa o recado final para Serra, antes de embarcar para a Alemanha: "Não há uma onda petista. Há uma onda lulista. Em governo de Estado o PT não está crescendo em nenhum lugar. Acho que nesse momento entra a vontade. Ou entra com vontade ou não faz nada".
Na mosca, FHC. O Pará que o diga."

domingo, 5 de setembro de 2010

Democracia virtual - Fernando Henrique Cardoso

Na coluna de hoje de FHC, num texto brilhante nos lembra que as estruturas democráticas existentes hoje no Brasil, que foram construídas com o esforço de todos os brasileiros não podem se deixarem esvaziar ou pior ainda não podem ser tomadas por grupos com interesses particulares.
Segue a coluna, copiada do Diário Catarinense.

Democracia virtual
Vivemos uma fase de democracia virtual. Não no sentido da utilização dos meios eletrônicos e da web como sucedâneos dos processos diretos, mas no sentido que atribui à palavra virtual o dicionário do Aurélio: algo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual. Faz tempo que eu insisto: o edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas quando alguém bate à porta a monumentalidade das formas institucionais desfaz-se em um eco que indica estar a casa vazia por dentro.

Ainda agora a devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas mais mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana. Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política – como se estivessem tratando com um povo de parvos – proclamam que “não foi nada não; apenas um balcão de venda de dados...”. E fica o dito pelo não dito, com a mídia denunciando, os interessados protestando e buscando socorro no Judiciário, até que o tempo passe e nada aconteça.

Não tem sido assim com tudo mais? O que aconteceu com o “dossiê” contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados? E os gastos da atual Presidência não se transformaram em “secretos” em nome da segurança nacional? E o que aconteceu de prático? Nada. Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior.

No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial. Nas democracias é lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições. Mas é escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da Nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas. Há um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que além de pessoal é também institucional, na pugna política diária. Chama a atenção que nenhum procurador da República, nem mesmo candidatos ou partidos, haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas, senão para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso. Por que não se faz? Porque pouco a pouco estamos nos acostumando que é assim mesmo.

Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista – que ainda dá para evitar – incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do PRI mexicano – se o PT conseguir a proeza de ser “hegemônico” – ou do peronismo, se mais do que a força de um partido preponderar a figura do líder. Dadas as características da cultura política brasileira, de leniência com a transgressão e criatividade para simular, o jogo pluripartidário pode ser mantido na aparência, enquanto na essência se venha a ter um partido para valer e outro(s) para sempre se opor, como durante o autoritarismo militar.

Pior ainda, com a massificação da propaganda oficial e o caudilhismo renascente, poderá até haver anuência do povo e a cumplicidade das elites para com essa forma de democracia quase plebiscitária. Aceitação pelas massas na medida em que se beneficiem das políticas econômico-sociais, e das elites porque estas sabem que neste tipo de regime o que vale mesmo é uma boa ligação com quem manda. O “dirigismo à brasileira”, mesmo na economia, não é tão mal assim para os amigos do rei ou da rainha.

É isso que está em jogo nas eleições de outubro: que forma de democracia teremos, oca por dentro ou plena de conteúdo. Tudo mais pesará menos. Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas, assim como é certo que a oposição se opôs menos do que devia à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder. Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos às instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilos. Ainda assim, é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo como fundamento da legitimidade do poder e tem a convicção de que a democracia é o governo das leis e não das pessoas.

Estamos no século 21, mas há valores e práticas propostos no século 18 que foram se transformando em prática política e que devem ser resguardados, embora se mostrem insuficientes para motivar as pessoas. É preciso aumentar a inclusão e ampliar a participação. É positivo se valer de meios eletrônicos para tomar decisões e validar caminhos. É inaceitável, porém, a absorção de tudo isso pela “vontade geral” encapsulada na figura do líder. Isso, é qualquer coisa, menos democracia. Se o fosse, não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo (que, diga-se, não exerceu propriamente o personalismo como fator de dominação) e assim por diante. É disso que se trata no Brasil de hoje: estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal). Por mais restrições que alguém possa ter ao encaminhamento das campanhas ou mesmo a características pessoais de um ou outro candidato, uma coisa é certa: o governismo tal como está posto representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática. Há tempo ainda para derrotá-lo. Eleição se ganha no dia.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

FLIP 2010 Gilberto Freire por FHC

Fernando Henrique sendo entrevistado em Paraty sobre o homenageado da FLIP 2010 Gilberto Freire.
Vale a pena assistir aqui (presta atenção na Paula Picarelli)...
A gente entende que mesmo com todo o governo e sua truculência...
Lula ainda morre de inveja...


Estado e vida privada

FHC - E a ingerência do estado na vida privada.

(entrevista à Renata Lo Prete – FSP, 01) "O que eu disse foi outra coisa: que a economia brasileira dispõe de motores fortes. Nesse sentido, eu não sou pessimista. Mas, quanto a riscos de passo atrás na política, na vida institucional, eles estão por todos os lados". "O abuso da máquina pública para propósitos partidários, como se vê escandalosamente na atual campanha. Depois, o fortalecimento de uma tendência corporativa, cimentando a aliança entre fundos de pensão, sindicatos e grandes empresas, com o fim político óbvio". "Depende do que se entenda por fazer maluquice. O PT tem corroído as instituições públicas por dentro, como cupim. Não pratica atitudes tresloucadas, mas desvirtua as instituições por dentro, como está fazendo, por exemplo, na ANP (Agência Nacional do Petróleo)". "Não. Eu disse que a matriz estatizante é enraizada no país, em todos os partidos. Mas é óbvio que ela vai se acentuar num eventual governo Dilma, na direção dos sinais visíveis nos dois últimos anos do governo Lula."