segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O golaço Carioca !


 O Rio marcou um gol, um golaço. E digo bem: foi a cidade do Rio de Janeiro e não apenas seu governo, a polícia ou as Forças Armadas. A Cesar o que é de Cesar: a articulação entre governo, polícias e Forças Armadas foi importante e deixa-nos a lição de que sem articulação entre os muitos setores envolvidos na luta contra o crime organizado e sem disposição de combatê-lo a batalha será perdida.
Mas sem o apoio da sofrida população do Rio, dos cariocas e brasileiros que habitam a cidade, e muito particularmente sem o apoio da população que vive nas comunidades atingidas pelos males da droga e pela violência do tráfico, o êxito inicial não teria sido possível.
Estive no morro do Santa Marta há pouco tempo, quando a Unidade de Polícia Pacificadora já estava estabelecida e pude ver que efetivamente o medo e o constrangimento da população local haviam desaparecido. A droga ainda corre por lá, mas entre usuários e não nas mãos de traficantes locais.
Sei que em São Paulo e em outras regiões do país também há tentativas bem sucedidas de devolver ao Estado sua função primordial: o controle do território e o monopólio do exercício da violência (sempre que nos marcos legais). Mas o caso do Rio é simbólico porque a simbiose entre favela e bairro, entre a cidade e a zona pretensamente excluída está entranhada em toda parte.
Há, portanto, o que comemorar. Faz pouco tempo eram quase cem mil moradores de comunidades cariocas que se haviam libertado, graças à presença da Polícia Pacificadora, da sujeição ao terror do tráfico e das regras de “justiça pelas próprias mãos” ordenadas pelo chefões locais e cumpridas por seus esbirros.
Com a entrada do Estado no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro, há a possibilidade de incorporar mais gente às áreas restituídas à cidadania. Mas as populações serão mesmo restituídas à vida normal em uma democracia? E neste passo começam as perguntas e preocupações.
Sem que se restabeleçam as normas da lei, sem que a permanência da força policial, sem que a Justiça comum volte a imperar, sem que a escola deixe de ser um local onde se trafica, sem que os mercados locais sejam interconectados com os mercados formais da cidade e sem que a educação e o emprego devolvam esperança aos “aviões” (os jovens coagidos a serem sentinelas dos bandidos e portadores de droga para os usuários), a vitória inicial será de Pirro.
Neste caso, a não guerra em algumas comunidades pela fuga dos traficantes com parte de suas armas pode desdobrar-se adiante em um inferno a que serão submetidas populações de outras comunidades, seja por traficantes ou membros das milícias.
Não escrevo isso para diminuir a importância do que já se conseguiu. Pelo contrário, mas para chamar à responsabilidade todos nós, como cidadãos, como pais, avós, como partes da sociedade brasileira pelo que acontece no Rio e em quase todo o país.
Fiquei muito impressionado com o que aprendi e vi ao integrar um grupo que está preparando um documentário sobre drogas. Estive em Vigário Geral em um encontro que José Junior do AfroReggae proporcionou para que eu pudesse entrevistar traficantes arrependidos e policiais envolvidos nas guerras locais. Entrevistei muitas mães de famílias, mulheres em presídios, jovens vitimados pelo tráfico (e quem sabe se não partes dele também).
Eu havia estado na Palestina ocupada por forças de Israel e vi o constrangimento a que as populações locais são submetidas. Pois bem, no Rio de Janeiro, o constrangimento imposto pelo crime organizado e às vezes exacerbado pela violência policial, que por vezes se confundem, é pelo menos igual, senão maior, ao que vi na Palestina.
A falta de liberdade de ir e vir que os bandidos de diferentes facções impõem a seus “súditos” forçados e o medo da “justiça direta” tornam as populações locais prisioneiras do terror do tráfico. E não adianta dar de ombros em outras partes do Brasil e pensar que “isso é lá no Rio”. Não, a presença do contrabando, do tráfico e da violência do crime organizado está em toda parte. E a ausência do Estado também, para não falar que sua presença é muitas vezes ameaçadora pela corrupção da polícia e suas práticas de violência indiscriminada.
Se agora no Rio de Janeiro as ações combinadas das autoridades políticas e militares abriram espaço para um avanço importante, é preciso consolidá-lo. Isso não será feito apenas com a presença militar, a da Justiça e a do Estado. Este está começando a fazer o que lhe corresponde. Cabe à sociedade complementar o trabalho libertador.
Enquanto houver incremento do consumo de drogas, enquanto os usuários forem tratados como criminosos e não como dependentes químicos ou propensos a isso, enquanto não forem atendidos pelos sistemas de saúde publica e, principalmente, enquanto a sociedade glamourizar a droga e anuir com seu uso secreto indiscriminadamente, ao invés de regulá-lo, será impossível eliminar o tráfico e sua coorte de violência.
A diferença entre o custo da droga e o preço de venda induzirá os bandos de traficantes a tecer sempre novas teias de terror, violência e lucro.
Sem que o Estado, inclusive — se não que principalmente — no nível federal, continue a agir, a controlar melhor as fronteiras, a exigir que os países vizinhos fornecedores de drogas coíbam o contrabando, não haverá êxito estável no controle das organizações criminosas.
Por outro lado, sem que a sociedade entenda que é preciso romper o tabu e veja que o inimigo pode morar em casa e não apenas nas favelas e se disponha a discutir as questões fundamentais da descriminalização e da regulação do uso das drogas, o Estado enxugará gelo.
Ainda assim, só por liberar territórios nos quais habitam centenas de milhares de pessoas, o Rio de Janeiro enviou a todos os brasileiros um forte sinal de esperança.

Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República

domingo, 7 de novembro de 2010

Lunetas novas?

A abertura da economia no início dos anos 1990, depois das crises do petróleo e ainda em meio ao longo processo inflacionário que se seguiu, não desencalhou o barco de nossa economia. Os mares do mundo batiam no casco, mas ele continuava adernado. Só depois de controlarmos a inflação, quando eu ainda era ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, e depois que saneamos os ralos que corroíam as finanças públicas e levantamos as âncoras que nos mantinham estagnados - com a atração de capital privado para setores antes monopolizados pelo Estado - é que o navio começou a andar. No começo timidamente, usufruindo as benesses de uma base agrícola poderosa e de uma indústria criada no passado.
Com a volta dos capitais e dos investimentos, começamos a navegar com maior desenvoltura. Por exemplo: em 1995, havia montadoras de veículos somente em São Paulo e Minas; em 2002, não só estas tinham aumentado a produção, como também outras se haviam espalhado pelo País, no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro, em Goiás e na Bahia. Outro exemplo: em 1995, a Petrobrás não chegava a produzir 700 mil barris/dia; em 2002, ultrapassou 1,5 milhão de barris. E assim por diante, sem esquecer a expansão das telecomunicações, da indústria aeronáutica ou mesmo da indústria naval, que começou a tomar ímpeto em 1999 com a encomenda pela Petrobrás de 22 navios.
Daí em diante nossa economia não parou de crescer, apesar das crises financeiras, que só deixaram de nos golpear em 1996 e em 2000. No período presidencial seguinte, o crescimento se acelerou. Não apenas porque o barco se tornou mais potente, uma vez mantido o rumo anteriormente traçado, mas também porque as águas do mar se encheram, pela bonança internacional entre 2003 e 2008. Junto com o crescimento deu-se a redução da pobreza. O efeito estabilizador do Plano Real reduziu a proporção de pobres de 40% para cerca de 30% da população total. No período presidencial seguinte, nova redução, para aproximadamente 20%. A redução da pobreza não foi resultado automático do crescimento. Políticas também foram adotadas com esse fim. Exemplo: o aumento real do salário mínimo, de 48% entre 1995 e 2002 e de 60% nos oito anos posteriores.
Em mares de almirante, com vento a favor, todos os barcos passaram a andar com velocidades maiores. Medido pelo aumento da renda per capita, andamos relativamente para trás: ocupávamos a 68.ª posição no mundo, na década anterior, e nesta retrocedemos à 72.ª.
Mas o atual comandante do barco, embriagado pelos êxitos, confundiu-se: atribuiu a si o aumento do nível das águas. Pior, conseguiu convencer os marinheiros de que fazia milagre e se tornou "mito". Agora, mais grisalho e quase aposentado, deixa o leme para uma companheira fiel. E será ela quem precisará usar lunetas para ver mais longe. Haverá tempestades ou bonança? Em qualquer caso, como anda o casco do navio? Que fazer para repará-lo? Ou para melhorar o desempenho do navio? Poderá continuar avançando sozinha ou dará a mão aos demais marinheiros? E as máquinas, seguirão a todo vapor sem algum ajuste ou será melhor evitar que a pressão as faça estourar? Acirrará ânimos e seguirá em frente até bater nalgum rochedo ou será previdente e ouvirá outras vozes que não sejam as das estrelas? São questões cujas respostas estão em aberto.
E há outras perguntas, de ordem estratégica, que precisarão ser respondidas. Para começar, como será o mundo dos próximos 20 anos? Tudo indica que nele as economias emergentes, e especialmente as dos Brics, ocuparão maior espaço. Mas qual desses países crescerá mais depressa? China e Índia são, neste caso, nossos competidores mais diretos, embora haja também complementaridades entre nossas economias. Estaremos condenados a, pouco a pouco, voltar à condição de provedores de alimentos e de matérias-primas para os países-monstros, que têm territórios com pouca possibilidade de expansão agrícola? Não necessariamente. Mas para evitar esse destino teremos de definir políticas que aumentem a nossa capacidade de inovar e competir. Não só na área fiscal, não só na tributária e na trabalhista, mas também na de educação, ciência e tecnologia. Sem isso será difícil ter uma indústria globalmente competitiva.
Em 2030 deveremos ter uma população em idade ativa da ordem de 150 milhões de pessoas. Sem uma indústria com musculatura e cérebro para enfrentar a competição global será impossível gerar empregos na qualidade e quantidade que necessitamos. Sem os empregos e a renda necessários o País corre o risco de se tornar "velho" antes de ficar rico. Precisamos aproveitar a nossa janela de "oportunidade demográfica", que se fechará a partir de 2030, para dar um salto em nossa capacidade de produção de riquezas. E para melhor distribuí-las também. E isso depende mais de uma verdadeira revolução educacional que da expansão do Bolsa-Família e outros programas assistenciais.
Como compatibilizar as necessárias taxas de crescimento da economia com os indispensáveis requisitos de respeito ao meio ambiente, de combate ao aquecimento global, e assim por diante? Estaremos dispostos a pensar com maior profundidade sobre como conservar uma matriz energética que utiliza fontes renováveis? Neste contexto, e atentos às questões de custos para o País, introduziremos maior racionalidade na discussão do pré-sal ou continuaremos a fingir que se trata de um Fla-Flu entre "patriotas" e "entreguistas"?
Por fim, nunca é demais lembrar: que papel o Brasil desempenhará no mundo, continuaremos indiferentes diante de vários autoritarismos e desrespeitos aos direitos humanos ou nos comprometeremos crescentemente com formas democráticas de convívio? Quem viver verá. No entretempo, é melhor manter um otimismo cauteloso e, sem embarcar em ufanismos enganosos, acreditar que a vitalidade dos brasileiros (vista uma vez mais na reafirmação democrática do pluralismo eleitoral recente) nos levará a melhores rumos.

Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República

terça-feira, 2 de novembro de 2010

FHC diz não endossar mais PSDB que não defenda a sua história


MARIA CRISTINA FRIAS
COLUNISTA DA FOLHA
VINICIUS MOTA

SECRETÁRIO DE REDAÇÃO 

"Não estou mais disposto a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ontem, em entrevista no instituto que leva seu nome, no centro de SP.
Presidente de honra do PSDB, Fernando Henrique defende que o partido anuncie dois anos antes das eleições presidenciais seu candidato. "O PSDB não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D."
Eduardo Knapp/Folhapress
O ex-presidente diz que Lula "desrespeitou a lei abundantemente" na campanha e que promove "um complexo sindical-burocrático-industrial, que escolhe vencedores, o que leva ao protecionismo".
Para FHC, a tradição brasileira de "corporativismo estatizante está voltando". Lula é uma "metamorfose ambulante que faz a mediação de tudo com tudo".
Folha - José Serra aproveitou a oportunidade do segundo turno como deveria?
Fernando Henrique Cardoso - Cada um tem um estilo e Serra foi fiel ao estilo dele. Tomou as decisões dele na campanha, com o [marqueteiro Luiz] Gonzalez. Não fez diferente do que se esperaria de Serra como um candidato persistente, que define uma linha e, aconteça o que acontecer, vai em frente.
O PSDB, e não o Serra, tem outros problemas mais complicados. Não é falta de bons candidatos. O problema é ter uma noção do coletivo, uma linguagem que expresse o coletivo, que não pode ser fechado no partido. Numa sociedade de 130 milhões de eleitores, a mensagem conta muito --no conteúdo e no modo que se transmite.
Como o Lula ficou muito fixado numa comparação para trás, os candidatos esqueceram a campanha e não definiram o futuro. Esse é o desafio --para o PSDB também.
O nosso futuro vai ser, outra vez, fornecer produtos primários? Ou vamos desenvolver inovação, modificar a educação, continuar a industrialização. Isso não foi posto [na campanha]. Qual será nossa matriz energética. Preocupa-me muito a discussão do petróleo.
Nesse campo, o seu governo quebrou o monopólio da Petrobras e implantou o modelo de concessão. A fórmula proposta por Lula, de partilha, para o pré-sal, que traz novos privilégios à Petrobras, é melhor?
Não posso responder, porque não vi a discussão. Preocupa-me esse modelo porque força uma supercapitalização [da Petrobras] sem que se saiba bem qual será o modelo de venda desse petróleo. Essa forma de partilha proposta é uma estatização do risco. O risco quem corre é o Estado, ao contrário do modelo de concessão.
O que estamos fazendo é uma dívida. Isso obriga a sobrecapitalizar a Petrobras. Parece que não temos mais problemas de poupança no Brasil. Entramos numa ilusão tremenda nessa matéria. O Tesouro faz a dívida com o mercado e empresta para o BNDES ou para a Petrobras. É como se não precisássemos mais poupar. Mas a dívida está aí. Essa questão o PSDB não politizou.
O governo Lula mobiliza fundos públicos e paraestatais e patrocina a formação de grandes empresas no país, uma espécie de complexo "industrial-burocrático", parodiando o "industrial-militar" do Eisenhower [em 1961, ao deixar o governo, o então presidente dos EUA Dwight Eisenhower alertou para os riscos de uma influência excessiva do complexo industrial-militar para o processo democrático]. Há mais ruptura ou continuidade em relação ao processo que se iniciou no seu governo, quando o BNDES e os fundos de pensão das estatais viabilizaram as privatizações?
Tudo é uma questão de medida. Os fundos [de pensão] entraram na privatização porque já tinham ações nas teles e participar do grupo de controle lhes dava vantagem. Fizeram um bom negócios Mas tive sempre o cuidado da diversificação. No mundo integrado de hoje, convém que a economia tenha um setor público eficiente e que tenha um setor privado, nacional e estrangeiro. Tentamos equilibrar isso.
O problema agora é de tendência, de gigantismo de uns poucos grupos, nesse complexo, que na verdade é sindical-burocrático-industrial, com forte orientação de escolher os vencedores. Isso é arriscado do ponto de vista político e leva ao protecionismo.
A máxima "política tem fila" foi usada para defender a precedência de Serra sobre Aécio na eleição de 2010. A fila andou ontem? Chegou a vez de Aécio Neves no PSDB?
Eu não posso dizer que passou a primeiro lugar, mas que o Aécio se saiu bem nessa campanha, se saiu. Não posso dizer que passou a primeiro lugar porque o Serra mostrou persistência e teve um desempenho razoável.
Não diria que existe um candidato que diga: "Eu naturalmente serei". Mas o PSDB também não pode ficar enrolando até o final para saber se é A, B, C ou D. Dentro de dois anos temos de decidir quem é e esse é tem de ser de todo mundo, tem de ser coletivo.
Não estou disposto mais a dar endosso a um PSDB que não defenda a sua história. Tem limites para isso, porque não dá certo. Tem de defender o que nós fizemos. A privatização das teles foi bom para o povo, para o Tesouro e para o país. A privatização da Vale foi um gol importante, porque, além do mais, a Vale é uma empresa nacional. A privatização da Embraer foi ótima.
Então por que não dizer isso? Por que não defender? Privatizar não é entregar o país ao adversário, pegar o dinheiro do povo e jogar fora. Não. É valorizar o dinheiro do país. Tudo isso criou mais emprego, deu mais renda para o Estado.
Do ponto de vista econômico, as questões estão bem encaminhados. Os motores da economia são fortes. Os problemas maiores são em outras áreas: educação, segurança, democracia, igualdade perante a lei, droga. Não é para saber se a economia vai crescer, é se a sociedade vai ser melhor.
Sobre a democracia no Brasil, o sr. escreveu, recentemente, que é uma maquinaria institucional em andamento, mas que lhe falta o "espírito": "a convicção na igualdade perante a lei, a busca do interesse público e de um caminho para maior igualdade social". Sinais desse espírito no processo eleitoral que se encerrou?
Francamente não vejo. O presidente Lula desrespeitou a lei abundantemente. Do ponto de vista da cultura política, nós regredimos. Não digo do lado da mecânica institucional --a eleição foi limpa, livre. Mas na cultura política, demos um passo para trás, no caso do comportamento [de Lula] e da aceitação da transgressão, como se fosse banal.
Houve abuso do poder político, que tem sempre um componente de poder econômico. Quantos prefeitos foram cassados aqui em São Paulo, por exemplo em Mauá, por abuso do poder econômico? Por nada, comparado com esse abuso a que assistimos agora. Não posso dizer que houve progresso da cultura democrática brasileira.
Aqui está havendo outra confusão. Pensar que a democracia é simplesmente fazer com que as condições de vida melhorem. Ela é também, mas não se esqueça que as ditaduras fazem isso mais depressa.
Como o sr. vê a volta de temas como religião na campanha?
Com preocupação. O Estado é laico, e trazer a questão religiosa para primeiro plano de uma discussão política não ajuda. Todas as religiões têm o direito de pensar o que queiram e de pregar até o comportamento eleitoral de seus fieis. Mas trazer a questão como se fosse um debate importante, não acho que ajude.
A dose dos chamados marqueteiros nas campanhas tucanas está exagerada?
Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a população quer naquele momento. A população sempre quer educação, saúde e segurança, e então você organiza tudo em termos de educação, saúde e segurança.
Sem perceber que a verdadeira questão é como você transforma em problema uma coisa que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Aí você abre um caminho. A pesquisa é útil não para você repetir o que ela disse, mas para você tentar influenciar no comportamento, a partir de seus valores.
Suponha uma pesquisa sobre privatização em que a maioria é contra. A posição do líder político é tentar convencer a população [do contrário]. O que nós temos na campanha é a reafirmação dos clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo. O líder muda, não segue.
Como mostrar as diferenças entre PT e PSDB? As ideias tucanas não são difíceis de assimilar?
Você se lembra de quando fui presidente? A ambição de todo mundo era cortar a burocracia. Por quê? Porque foi politizado.
É preciso politizar, e não é na hora da campanha.O PSDB, quando digo que tem que ter por referência o coletivo e ter um projeto, é agora. Não é para daqui a quatro anos. Daqui a quatro anos é tarde. Ou durante quatro anos você martela os seus valores e transforma os seus valores em algo que é compartilhado por mais gente, ou chega lá e não consegue. É tarde.
Mas o PSDB deixou o Lula falando sozinho um bom tempo.
Não foi só o PSDB. Foi todo mundo. Quando o nosso sistema presidencialista é exercido a partir de uma pessoa carismática como o Lula e que tem por trás um partido organizado, ele quase se torna um pensamento único.
Aqui, fora da campanha, só o governo fala. Quando fala sem parar, o caso atual, e sob forma de propaganda, fica difícil de controlar. No meu tempo, também era o governo que falava. Como não tenho o mesmo estilo e não usava uma visão eleitoreira o tempo todo, não aparecia tanto. Mas isso é da cultura brasileira.
Jornal dá o "outro lado", mas a TV não dá --só dá na campanha. O que a mídia em geral transmitiu ao longo desses oito anos? Lula, violência e futebol.
A oposição, liderada pelo PSDB, ficou mais forte nos Estados e mais fraca no Congresso. Como fará para resistir à força gravitacional do Planalto?
Não é fácil, porque os Estados têm interesses administrativos. Mas um pouco mais de consistência oposicionista pode. No regime militar, Montoro e Tancredo eram governadores e se opunham. É preciso recuperar um pouco essa dimensão política.
Mas o carro chefe para puxar [a oposição] não pode ser o governador. Tem de ser o partido. E não é o PSDB só. Esses 44 milhões [votação de Serra no domingo] não são do PSDB. É uma parte da sociedade brasileira que pensa de outra maneira. E não se pode aceitar a ideia de que são os mais pobres contra os mais ricos. Nunca vi uma elite tão grande: 44 milhões de pessoas.
A polarização nacional entre PT e PSDB completou 16 anos. Tem feito mais bem ou mais mal ao Brasil?
O que o Chile fez na forma da Concertação [a aliança entre o Partido Socialista e a Democracia Cristã que governou o Chile de 1990 a 2010], fizemos aqui sob a forma de oposição. Há muito mais uma linha de continuidade que de quebra. Queira ou não queira, o pessoal do PT aderiu, grosso modo, ao caminho aberto por nós. Isso é que deu crescimento ao Brasil. A briga, na verdade, é pelo poder, não é tanto pelo conteúdo que se faz. No tempo que cheguei lá, eu escrevi o que ia fazer e fiz. Nunca mudei o rumo. O Lula mudou o rumo. Agora acho que tem aí o começo de um rumo que não é o mesmo meu, que é esse mais burocrático-sindical-industrial. E tem uma diferença na concepção da democracia, e o PSDB tem de acentuar essa diferença.
Mas o que seria essa social-democracia?
Social-democracia, vamos devagar com o ardor. O sujeito da social-democracia europeia eram a classe trabalhadora e os sindicatos. Aqui são os pobres. O Lula deixou de falar em trabalhador para falar em pobre. Mudou. Nós descobrimos uma tecnologia de lidar com a pobreza, mas estamos por enquanto mitigando a pobreza.
Tem de transformar o pré-sal em neurônio. Esse é o saldo para uma sociedade desenvolvida. Social-democracia hoje é isso. É inclusão social, respeitando o mercado, sabendo que o Estado terá um papel importante, mas não é tudo, e que o mercado tem de ser regulado de olho numa inclusão que não seja só de mitigação. Não pode ter predomínio do olhar do Estado. Está se perfilando, no PT e adjacências, uma predominância do olhar do Estado, como se o Estado fosse a solução das coisas. Continuo achando que o Estado é indispensável, mas a sociedade deve ter uma participação mais ativa. Os movimentos sociais estão todos cooptados.
Então a diferença entre PT e PSDB, para o sr., se dá em relação ao papel do Estado.
Mas não no sentido de não ter papel para o Estado. No sentido de que esse papel tenha de ser de um Estado que se abra para a sociedade. Não de um Estado burocrático, que se imponha à sociedade.
A nossa tradição é de corporativismo estatizante, e isso está voltando. É uma mistura fina, uma mistura de Getúlio, Geisel e Lula. O Lula é mais complicado que isso, porque é isso e o contrário disso. Como é a metamorfose ambulante, faz a mediação de tudo com tudo.
Lula sempre faz a mediação para que o setor privado não seja sufocado completamente. Não sei como Dilma vai proceder.
O sr. sente que isso tende a se aprofundar nesse novo governo?
Sim, a segunda parte do segundo mandato de Lula foi assim. A crise global deu a desculpa para o Estado gastar mais. E o pobre do Keynes pagou o preço. Tudo é Keynes [O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) defendeu, em sua obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", a intervenção do Estado na economia para controlar as crises econômicas]. Investimento não cresceu, gasto público se expandiu, foi Keynes.
Não acho que o Brasil vá no sentido da Venezuela porque a sociedade nossa é mais forte. Aqui há empresas, imprensa, universidades, igrejas, uma sociedade civil maior, mais forte. Isso leva o governo a também ter cautela. Veja o discurso da Dilma de ontem [domingo]. Ela beijou a cruz.
Como todo mundo percebia uma tendência nesse sentido, ela disse: "Olha aqui, vou respeitar a democracia, vou dar a mão a todos". Ela tem que dizer isso, porque senão ela não governa.
O que esperar de Dilma Rousseff, que estreia num cargo eletivo logo na Presidência, no dia 1º de janeiro?
Nós não sabemos não só o que ela pensa, mas como é que ela faz. O Brasil deu um cheque em branco para a Dilma. Vamos ver o que vai acontecer com a conjuntura econômica, mundial e aqui. Há um problema complicado na balança de pagamentos, um deficit crescente, uma taxa de juros elevada e uma taxa de câmbio cruel.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O andarilho...

Matéria muito legal da Revista Piauí, sobre a vida de FHC após deixar a presidência...
Legal de ler e também impossível de não notar, como é legal a pessoa ter preparo, conteúdo e estrutura para viver de maneira produtiva e participativa, mesmo longe do poder...

Segue o link :  O ex-presidênte ANDARILHO


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Olho a Olho, Cara a Cara...

Em discurso inflamado para tucanos, ex-presidente classifica sucessor de 'mesquinho' e de mentir 'sem cessar' sobre o País que encontrou ao assumir mandato.

 

Em sua mais contundente incursão na campanha tucana até agora, que incluiu a defesa de seu legado à frente do Palácio do Planalto, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, desafiou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um debate "cara a cara" após o fim das eleições.
Diante de centenas de militantes do PSDB, em um hotel na zona norte da capital paulista, FHC pediu a Lula que, quando "perder o monopólio da verdade", vá ao instituto que leva seu nome, em São Paulo, para debater. "Presidente Lula, quando acabar as eleições, quando você puser o pijama, será bem recebido. Venha ao meu instituto, vamos conversar, cara a cara", bradou, em discurso inflamado.
O ex-presidente, dizendo-se alvo de mentiras, passou a defender suas gestões na Presidência (1994–2002). As cenas, gravadas por uma equipe da campanha do presidenciável tucano José Serra – que não esteve no evento –, devem ir ao horário eleitoral.
"Estou calado há muitos anos ouvindo. Agora quando o presidente Lula vier, como deve vir, como todo presidente democrata eleito, perder a pompa toda, perder o monopólio da verdade, está desafiado a conversar comigo em qualquer lugar do Brasil", disse FHC.
"Não é para conversar para dizer o que eu fiz, o que ele fez. Isso o povo vai julgar. É para ter firmeza, olhando cara a cara, um ao outro, e ver se um é capaz de dizer ao outro as coisas que diz", continuou o ex-presidente.
Como exemplo dos pontos que abordaria no debate com Lula, FHC citou o Plano Real, principal bandeira tucana, e disse que questionaria o petista sobre as responsabilidades pela estabilização econômica do País.
"Quero ver o presidente Lula, que votou contra o Real, que fez o PT votar contra o Real, dizer que estabilizou o Brasil. Ele não precisa disso. Ele fez coisas boas que eu reconheço. Ele agiu bem na crise atual, financeira. Para que, meu Deus, ser tão mesquinho? É isso que quero perguntar a ele: ‘Lula, por que isso, rapaz?’", bradou.
Aos militantes tucanos, o ex-presidente apostou na veemência para que seu nome, antes escondido nas campanhas, passe a ser defendido abertamente.
"Eu não tenho do que me arrepender. Eu mudei o Brasil. Eu nunca disse isso. Agora, oito anos depois do governo Lula (digo que) eu mudei o Brasil. Não mudei sozinho, mas com o povo brasileiro, com uma equipe de gente competente, com outros partidos. Tudo o que foi inovador foi plantado naquele período. Chega de ficar calado", afirmou FHC.
Privatizações. O ex-presidente elevou o tom e pediu "respeito" ao rebater nota divulgada ontem pelo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, que o acusou de preparar a estatal para a privatização.
"Quem é esse Gabrielli pra falar isso pra mim, meu Deus? Eu mandei uma carta ao Senado para dizer que não privatizaria a Petrobrás. Eu perdi uma cátedra porque eu defendi a Petrobrás e fui processado", anotou FHC.
De acordo com FHC, a "politicalha" voltou avançar sobre a estatal após sua saída do governo. "Por isso, perdeu já 20% do valor de mercado sob a batuta dessa gente. O mercado, assim chamado, percebeu agora – custou – que tem ingerência política", anotou.
Ao final do discurso, o ex-presidente lembrou ainda a queda da ex-ministra chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, acuada por denúncias de lobby no Planalto. "Não queremos um Brasil de preguiçosos, não queremos um Brasil de amigos do rei. nós não queremos um brasil de companheiras tipo Erenice", anotou FHC, que pediu "apoio total" à candidatura de Serra.

 

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Alo.... voce esta me ouvindo ???

Uma linha de celular por habitante

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL O GLOBO DESTA QUINTA-FEIRA.

A maior democratização da telefonia após a privatização é inegável. Em 1998 ─ ano em que a Telebrás foi vendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso, por R$ 22,057 bilhões, fatiada em 12 empresas ─ havia telefones em apenas 32% dos lares brasileiros. Em 2009, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, os telefones, fixos ou celulares, chegavam a 84,3% das residências.
A grande vedete da privatização foi a telefonia celular. Se era artigo inexistente na vida do brasileiro comum antes de 1998, hoje há praticamente uma linha por habitante. Em relação aos 7,4 milhões de linhas há 12 anos, houve um salto de 2500%, para 190 milhões. Desse total, são 82% pré-pagos e 18%, pós-pagos.
Ter uma linha fixa pelos caminhos oficiais, antes da privatização, era tarefa dura. Imperava o mercado paralelo, em que uma linha podia custar US$ 10 mil. Telefone era um bem, declarado no Imposto de Renda. Em julho de 1998, mês da venda da Telebrás, existiam 20,37 milhões de telefones fixos no Brasil. Atualmente, são 44,2 milhões de linhas  instaladas, 117% a mais. E boa parte delas está ociosa, ou seja, sobra telefone fixo. As linhas em operação somam 32,6 milhões, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Ainda há muitos desafios, como baratear tarifas, melhorar os serviços e universalizar mais a telefonia. Mas a privatização foi o chute inicial para investimentos que permitiram que o país evoluísse em telecomunicações. E, tão importante quanto a privatização da telefonia, foi a decisão de derrubar o monopólio da Embratel no provimento de internet.


domingo, 3 de outubro de 2010

Relembrando.... Quem é mesmo querido pelo povo ?

Só para não ficar dúvida sobre quem é mesmo bom de voto...

As duas eleições para presidência que foram decididas no primeiro turno:

Ano
Candidato
% Votos Válidos
1994

Fernando Henrique Cardoso
55%
Lula
39%
1998
Fernando Henrique Cardoso
53%
Lula
31%
·         Fonte Tribunal Superior Eleitoral

Governo usa "rolo compressor" para eleger Dilma, diz FHC

Direto da Folha de SP de hoje !

O ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, declarou que nunca viu um governante fazer tamanha pressão para eleger um sucessor

O ex-presidente da república Fernando Henrique Cardoso vota em São Paulo 


"Você tem que ter políticos reais e não fantoches", diz FHC em referência indireta à candidata do PT, Dilma Rousseff
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) acusou neste domingo o atual governo de acionar um verdadeiro "rolo compressor" para viabilizar a eleição da candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff.


FHC, que votou pela manhã no Colégio Sion, na capital paulista, criticou o presidente Lula e disse que o Brasil nunca viu um governante fazer tamanha pressão para eleger um sucessor.
"O rolo compressor do governo nunca houve igual. Nunca antes na história da República, como o presidente Lula gosta de dizer. Nunca neste País, um presidente da República fez tanta pressão para ganhar uma eleição e, não obstante, ainda está aí, gemendo e chorando para ver se vai ou não vai", afirmou FHC.
Fantoche – O ex-presidente mostrou-se confiante de que haverá segundo turno em 31 de outubro para as eleições presidenciais. Chamou também, de forma indireta, a candidata petista de "fantoche". O comentário foi feito depois de FHC avaliar a transferência de votos do presidente Lula para a ex-ministra-chefe da Casa Civil. "Se houvesse transferência, hoje ela teria cerca 80% (das intenções de voto). Há alguma transferência, sem dúvida que houve. Mas tem que ver se isso é suficiente", comentou.
"O que está se demonstrando é que, a despeito da aprovação do presidente Lula, a candidata não conseguiu a mesma coisa. O importante não é a transferência de votos, é ter vontade política, capacidade de liderança. A minha objeção é a isso. Você tem que ter políticos reais e não fantoches", afirmou.
Ao explicar para alguns jornalistas porque usou o termo fantoche, ele avaliou que Dilma está "sempre grudada no presidente". Ressaltou que, até agora, a candidata não conseguiu desvincular sua imagem à de Lula. "Vamos ver agora como ela vai se desempenhar, ganhando ou perdendo. Quem sabe, ela se transforme em alguma coisa por ela própria. Vamos esperar."
O ex-presidente não quis comentar eventuais erros da campanha de José Serra, que não teriam permitido que o candidato do PSDB à Presidência estivesse liderando as pesquisas de opinião. Ele preferiu citar alguns êxitos da campanha. "Chegar até este ponto, em que você tem condições de continuar lutando, não é pouca coisa ante este rolo compressor que está montado aí", avaliou.
“Ela vai perder” – Fernando Henrique também não quis comentar qual seria a sua avaliação de um eventual governo Dilma Rousseff. "Eu não trabalho com esta hipótese, pois ela vai perder", destacou. Ele fez algumas análises sobre o desempenho do partido nas eleições deste ano. Destacou que não faltou apoio do PSDB a Serra, com quem "cerrou fileiras". Contudo, destacou uma avaliação um pouco mais detalhada, em tom de autocrítica, da postura do partido em relação à campanha. Perguntado sobre porque o PSDB chegou numa terceira eleição presidencial consecutiva atrás do PT nas pesquisas de opinião, ele respondeu que, se tivessem sido feitas propostas mais corretas, teria sido mais fácil.
"Temos que ser realistas nisso. Tem que aprender com o que fez. Tem que mudar e melhorar. Mas, no conjunto, é um partido que está em pé. É um dos mais jovens dos três grandes que estão aí", comentou o ex-presidente da República. "O mundo muda. As pessoas têm que mudar com muita energia. Tem que rejuvenescer. O Brasil é composto por uma população muito jovem. Hoje, a internet tem uma importância enorme. A população tem aspirações novas também. O partido tem que estar sempre em movimento", disse.
FHC afirmou que o eleitorado não segue as regras de um partido, mas sim seus impulsos. "E o fato de o Serra ter conseguido manter com toda dificuldade uma base eleitoral grande, eu acho que é uma coisa importante", comentou. Fernando Henrique fez comentários otimistas sobre qual será o futuro do PSDB após as eleições deste doming. "Vamos ver no fim do dia. Não adianta a gente precipitar os resultados. Eu acho que, até agora, a expectativa hoje é boa, porque há expectativa de segundo turno (para Presidente) e vamos ganhar nos principais Estados do País. Não é mal", considerou.
Perguntando sobre como ficaria o PSDB no caso de uma vitória de Dilma Rousseff para Presidência e de Geraldo Alckmin, do PSDB, no governo de São Paulo, além de uma eventual eleição de Aécio Neves ao Senado por Minas Gerais, ele comentou: "O partido fica bem de qualquer maneira. O partido tem vitalidade. Tem demonstrado isso." Já voltando para sua casa, FHC manifestou, de forma indireta, que uma vitória da situação seria um fato normal. "Ganhe quem ganhar, é o jogo da democracia", analisou.
DEM – Fernando Henrique criticou o presidente Lula por sua declaração de que quer “extirpar” o DEM da política brasileira. “Um presidente representa o país. Ele pode e deve expressar o seu partido, mas não pode se transformar em um instrumento de pressão contra o seu adversário, transformá-lo em inimigo e falar até em eliminar o seu inimigo. Isso não pode. Aí você deixa de ser chefe de estado para ser chefe de um pedaço. Facção é um pedaço”, disse.
(com Agência Estado)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

FHC, a salvo desta triste campanha

 
Estamos chegando na data do primeiro turno das eleições e até agora, salvo engano (se alguém tiver algum outro material será muito bem vindo) o PSDB, abriu mão de utilizar a imagem de FHC na campanha.
Só o candidato a senador por São Paulo, Aloysio Nunes, trouxe o depoimento de apoio explícito.
Pensei sobre isto de diversas maneiras, primeiro achei que era burrice do PSDB se deixar pautar pelos adversários e acreditar que FHC tira votos, depois achei que talvez o povo em geral não tem condições de analisar a contribuição de FHC para a situação de bem estar de hoje (que é puramente contábil, uns trocados a mais mesmo...), que só é possível porque Lula herdou e não mexeu na política econômica.
Mas indo um pouco mais a fundo talvez FHC não combine mesmo com esta campanha presidencial, como também não combinariam Tancredo, Ulysses, Covas, Teotônio e outros grandes da nossa política.
O olhar sincero, o temperamento democrático, a vida publica ilibada, a análise profunda o gosto pelo contraditório o pensamento estratégico de buscar entender e equacionar as grandes questões as que são como se diz determinantes do futuro que se almeja com isto se identifica FHC e não com esta era da política onde tudo lembra muito “Sucupira” e nós estamos gostosamente nos deixando guiar pelos Odoricos.
O PSDB talvez tenha no fim poupado FHC de descer a esta arena ou picadeiro dependendo se a luz ilumina falsos heróis ou palhaços.

domingo, 26 de setembro de 2010

Marina, mostra que honestidade intelectual faz bem ao meio ambiente

(em entrevista a Folha de São Paulo)

Marina Silva, candidata pelo PV mostra que honestidade intelectual faz bem...

A sra. ficou sozinha na defesa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ?
As pessoas perguntam por que falo do Plano Real e do FHC, se nem o Serra o defende. Dizem que tira voto. Não falo para ganhar voto, falo porque é justo. Reconhecer ganhos do Real e da política social de Lula é ter um olhar honesto para a História.

sábado, 25 de setembro de 2010

FHC. Direto ao ponto acertando governo e oposição

FHC, e o momento do Brasil e de Lula...
  • O erro de mitificar Lula
  • O fim da discussão e das reformas para avançar (o nó da infraestrutura, seja física ou educacional)
  • O sucesso de Lula foi o de manter o que antes combatia
Ao FT, FHC diz que oposição 'errou ao mitificar Lula'

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso critica a oposição por "mitificar" o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na entrevista, ele admite ainda que a candidata oficial, Dilma Rousseff, é a mais provável vencedora das eleições presidenciais do dia 3 de outubro.
Em artigo de página inteira publicada na edição deste sábado do diário financeiro, FHC diz, entretanto, que "Lula não é nenhum revolucionário".
"É um Lech Walesa que deu certo", afirma, referindo-se ao sindicalista que presidiu a Polônia comunista durante a transição para o capitalismo, terminando seu governo com popularidade em baixa. "Eu fiz as reformas. Ele surfa na onda", disse FHC.
O artigo é parte da seção "Um almoço com o FT". O correspondente narra o encontro que teve com FHC a três semanas das eleições no restaurante Carlota, em Higienópolis, bairro onde vive o sociólogo.
Para o FT, "embora tanto o mundo quanto o Brasil tenham se apaixonado por seu sucessor, o presidente Lula, Cardoso é o homem amplamente creditado, pelo menos no exterior, com o estabelecimento dos fundamentos do boom" que marcou os últimos anos da economia brasileira.
FHC, ministro da Fazenda durante o plano real, que pôs fim a décadas de hiperinflação no Brasil em meados dos anos 1990, é descrito pelo FT como o responsável por colocar o "B" na sigla Bric – cunhada pelo Banco Goldman Sachs em 2001 e hoje uma espécie de marca para se referir às principais potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China).
Ao jornal britânico, FHC disse que conseguiu "fazer o Brasil avançar" durante sua gestão; já o governo Lula, opina, "anestesiou" o Brasil. O ex-presidente diz que durante sua gestão havia muita discussão sobre como levar as reformas adiante e reduzir o custo Brasil. "Depois elas (as discussões) pararam", afirmou.
Quando a entrevista se encaminha para as eleições de 3 de outubro, relata o FT, o ex-presidente revela "frustração" em seu tom de voz.
"A oposição errou", diz. "Permitimos a mistificação de Lula. Mas Lula não é nenhum revolucionário. Ele saiu da classe trabalhadora e se comporta como se fosse parte da velha elite conservadora."
"Eu sugiro que nós já sabemos quem vai ganhar as eleições", escreve o repórter do jornal. "'Sim', admite FHC - Dilma Rousseff, a candidata do Partido Trabalhista de Lula."
Questionado sobre como crê que Lula será lembrado pela história, FHC responde: "Acho que será lembrado pelo crescimento e pela continuidade, e por colocar mais ênfase no gasto social".
'Herdeiro'
Em uma nota ilustrativa na mesma página, como parte da mesma reportagem, o criador da sigla Bric, o economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O'Neill, se questiona se Lula poderia ser "um descendente de Cardoso em uma fantasia engenhosa".
Ele argumenta que um dos méritos de Lula foi manter as políticas econômicas da era FHC, em especial as metas de inflação e o regime de flutuação do real.
"Lula quer ser visto como o líder mais bem sucedido do G20 na última década. Mas às vezes paro e me pergunto se ele não seria um descendente direto de Cardoso em uma fantasia engenhosa. Pois foi muito do que ele herdou de Cardoso que deu a Lula a plataforma de tal sucesso", escreve O'Neill.
Para o economista, a inteligência de Lula foi "manter muito do que herdou". "Outro fator de sucesso de Lula tem sido sua sintonia com as massas, o que lhe permitiu traduzir os benefícios da estabilidade para muitos", escreveu O’Neill.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ruth Cardoso: ela mudou o social


O Globo - RJ 20/12/2008
Demétrio Weber e Adauri Antunes Barbosa
Antropóloga, pesquisadora, professora da Universidade de São Paulo (USP), a primeira-dama Ruth Cardoso transformou a política social no Brasil nos oito anos em que esteve no poder ao lado do marido, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, seu companheiro por 55 anos. Decretou o fim da Legião Brasileira de Assistência (LBA), baniu o clientelismo, criou o Comunidade Solidária, impôs suas convicções em defesa de um novo modelo de ação social, em parceria com a sociedade, e imprimiu estilo inovador e discreto ao cargo de primeira-dama. Sua morte, em 25 de junho deste ano, aos 77 anos, após infarto fulminante, uniu na dor o ex-presidente Fernando Henrique e o presidente Lula, num exemplo do reconhecimento unânime de seu legado, que resulta agora na escolha de Ruth Cardoso como Personalidade do Ano do Prêmio Faz Diferença do GLOBO.
— A obsessão da Ruth era romper com o clientelismo — diz o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), que foi ministro da Educação nos oito anos do governo Fernando Henrique.
O desafio era imenso. Já em 1995, quando Fernando Henrique tomou posse no Planalto, foi extinta a LBA, foco de desvios de verbas e clientelismo no governo Collor, sob a gestão da primeiradama Rosane Collor. Ruth imprimiu outra lógica. Ela presidia o conselho do Comunidade Solidária, cuja tarefa era coordenar ações de diferentes ministérios e articular parcerias com a iniciativa privada. Paulo Renato lembra que Ruth tinha identidade própria: a formação acadêmica e a militância social vinham antes da condição de primeira-dama. Outros ex-colaboradores exaltam o trabalho da época.
— O Comunidade Solidária rompeu com a cultura clientelista no combate à pobreza. Deu nova feição às políticas públicas, enfrentando a pobreza de forma mais abrangente, com projetos de educação, trabalho, saúde, saneamento.
Os recursos eram alocados de forma transparente — diz a socióloga Anna Maria Peliano, secretáriaexecutiva do programa de 1995 a 98.
Para o atual ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, Ruth pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula: — Tenho grande respeito pela memória da dona Ruth Cardoso, pelo que ela representou no plano acadêmico, das pesquisas, como uma grande e notável educadora. Quando lançou no governo do presidente Fernando Henrique o programa Comunidade Solidária, ela pautou a questão social dos pobres, dos excluídos e dos trabalhadores de baixa renda — diz Patrus.
Anna Peliano é hoje coordenadora de Estudos de Responsabilidade Social no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília.
Ela destaca a ênfase dada por Ruth às parcerias com a iniciativa privada, uma forma de mobilizar a sociedade e driblar a falta de recursos.
Ela dava ênfase à educação e ao diálogo
Foi assim que surgiu o Alfabetização Solidária, cujo objetivo era combater o analfabetismo de jovens e adultos. O projeto teve continuidade depois do governo FH: deu origem a uma organização não-governamental, a Alfasol, que já atendeu mais de cinco milhões de iletrados.
O Universidade Solidária mobilizava instituições de ensino superior, enviando estudantes a regiões pobres para trabalhos sociais. Segundo Anna Peliano, Ruth vibrava com os relatos de universitários que voltavam dos grotões. E considerava indispensável avaliar os resultados.
— Ela tinha formação acadêmica sólida e diferenciada, que lhe permitiu dar ênfase à educação.
Tinha experiência de trabalho em ONGs, o que lhe ajudava no diálogo com a sociedade.
E uma vivência de militância em prol dos direitos sociais que lhe dava a visão de política enquanto direito — diz Anna.
— A maior contribuição da Ruth foi mostrar uma nova maneira de fazer política social. Uma forma participativa, com envolvimento da sociedade junto com o poder público e que significou uma inovação para tudo o que já se havia feito no Brasil e no exterior. Todos os programas sociais conhecidos até então eram estatais.
Desde a sua concepção, o Comunidade Solidária buscava a inovação, o envolvimento da comunidade — observa Paulo Renato.
Para Patrus, o esforço de Ruth Cardoso está na origem das atuais políticas sociais: —A professora Ruth Cardoso teve um papel muito importante na retomada da temática social e colocou para nós todos o início de um processo que encontra agora a sua expressão maior nas obras e nos programas sociais que estamos implementando no governo do presidente Lula, especialmente no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
O governador tucano José Serra, de São Paulo, diz que as homenagens à amiga Ruth Cardoso fazem o país se revelar: — Pouco antes de sua morte, o presidente John Kennedy, ao participar de uma homenagem ao poeta Robert Frost, disse que uma nação se revela não apenas pelos indivíduos que produz, mas também por aqueles que decide homenagear.
O Brasil se revelou grande neste ano pelas tantas coisas boas e justas que foram ditas a respeito da Ruth Cardoso. O que se viu foi raro, muito raro, entre nós. Elogios à discrição, à dignidade, à simplicidade, à coerência, ao rigor intelectual, ao ativismo solidário conseqüente e inovador desta pessoa tão especial que nos deixou.
Ruth nos lembrou a todos as nossas melhores virtudes, nela reunidas de maneira exemplar.
Lola Berlinck, coordenadora da Associação de Apoio ao Programa Capacitação Solidária (AAPCS), disse que o Faz Diferença para Ruth Cardoso é muito apropriado: — A Ruth é uma pessoa que realmente fez muita diferença no trabalho social no Brasil. Ela fez muita diferença no combate ao fim do assistencialismo e das práticas assistencialistas.
Ela introduziu o conceito do desenvolvimento humano na prática social brasileira e, em seguida, do desenvolvimento social — disse.
Pelo trabalho que tinha feito como pesquisadora, antropóloga, ela acreditava, segundo a presidenta da AAPCS, que havia uma rede de suporte ao desenvolvimento social já posta no Brasil, que eram as ONGs de base.
— E ela fez muita diferença no movimento de fortalecimento dessas ONGs. Não eram ONGs grandes como aquelas da década de 90, de pessoas nobres e destacadas, mas eram aquelas que lutavam pelo bem e pela qualidade de vida do bairro das comunidades mais próximas. A Ruth fez a diferença por aí. Outra grande diferença que ela fez foi a dizer o seguinte: essas ONGs de base podem atuar em espaços em que o Estado está muito distante e não enxerga as necessidades que podem alavancar mudanças. A partir dela tudo mudou. Isso é disseminado — afirmou.
Para o ex-ministro Celso Lafer, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Ruth conhecia o país e os movimentos sociais: — Ela tinha clareza quanto à importância da sociedade e que cabia fazer coisas não apenas no plano do Estado, mas também no plano da sociedade.
Foi com base nisso que concebeu o Comunidade Solidária, que significava deixar de lado o tradicional assistencialismo e tentar ensinar às pessoas a serem elas mesmas com educação e com conhecimento do seu próprio potencial.
É o que pensa também Regina Esteves, presidenta da Alfabetização Solidária: — A gente que trabalhou com ela durante 13 anos pode dizer: foi uma oportunidade de fazer um doutorado na prática. Ela não era só uma teórica, mas também preocupada com a aplicação das teorias, com o resultado prático do trabalho.
Para Maria Helena Guimarães de Castro, secretária estadual de Educação de São Paulo, o trabalho dela foi uma das coisas mais importantes na evolução das políticas sociais brasileiras “por ter conseguido aliar o trabalho acadêmico com uma prática política muito importante”: — Isso se reflete muito claramente nas ações do Comunidade Solidária e de como foram organizadas as parcerias público-privadas para desenvolver políticas sociais no Brasil. Ruth sempre teve uma enorme preocupação com a participação política, com o protagonismo das pessoas.
Então, todo o esforço dela era no sentido de fazer com que as pessoas participassem cada vez mais e se tornassem autônomas e realmente responsáveis pelas ações que estavam desenvolvendo.
Ela tinha horror a qualquer forma de paternalismo, de dirigismo estatal
Foi ela, lembrou Cláudia Costin, futura secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, quem trouxe a noção de política social para o Brasil: — Até então existiam estudos sobre política social, mas não existia uma concepção não clientelista. Dona Ruth pôs a política social na agenda em uma abordagem não clientelista, com a idéia de que se deve monitorar os avanços, de que há um espaço para a participação sociedade civil, não só na implementação, mas como parceira de política pública.
Integrante da Comunidade Solidária, a médica Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, conviveu com dona Ruth Cardoso: — Ela fez de tudo para que o país tivesse programas oficiais que fossem capazes de diminuir desigualdades sociais.
Paulista de Araraquara, Ruth Cardoso era doutora em antropologia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Fez pós-doutorado na Universidade de Columbia em Nova York e também foi professora em universidades americanas e inglesas. Entre os programas sociais desenvolvidos pela ex-primeiradama na gestão Fernando Henrique estavam o Alfabetização Solidária, que chegou a alfabetizar mais de 2,5 milhões de jovens nos municípios mais pobres do país, o Universidade Solidária, que mobilizava estudantes e professores universitários para ações de desenvolvimento social, e o Capacitação Solidária, que treinou mais de cem mil jovens para o mercado de trabalho nas grandes regiões metropolitanas.
A atuação social continuou, fora do governo: ela se dedicou ao comando da ONG Comunitas, responsável por programas sociais e de voluntariado.
Foi vigilante, dentro e fora do governo. Respeitada até por adversários políticos, a antropóloga que detestava ser chamada de primeira-dama se transformou em uma crítica da política social do governo Lula, que considerava assistencialista. Em 1994, antes da posse do marido, no primeiro mandato, comprou briga com o PFL, maior aliado na campanha de Fernando Henrique, ao afirmar: “O PFL tem Antonio Carlos (Magalhães), mas tem Gustavo Krause e Reinhold Stephanes”. Na época, Fernando Henrique considerou a frase infeliz e pediu desculpas formais a ACM. Ela também chamou o PFL de “fisiológico” e disse que o partido mudara “não porque é bonzinho, mas porque perdeu poder.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

A última tentação

A jovem democracia de nossa nação não pode ser mão única da vontade dos mais exaltados, sem contrapesos e processos de depuração.
Acompanhando os últimos acontecimentos da vida política do país fica um sentimento de ausência, de perda, estranhamos o silêncio a falta de indignação e buscamos os caras pintadas, o panelaço, enfim qualquer barulho, grito que desperte a fúria e mova a todos num basta, estabelecendo um limite do mínimo aceitável de caráter, honestidade e transparência.
Será que era isto que nossa nação buscava? Basta o pão, pão dado, favor e chantagem. Se tivermos pão então tudo vale? Será que auto-estima do brasileiro é assim tão baixa que a multidão agraciada pelo “favor” do pão acha que é só isto que merece? Onde a saída para não mais depender da benesse do governo que se orgulha não dos que progrediram (porque há poucos); se orgulha de aumentar o volume dos beneficiados na lógica rasteira do voto.
Existe uma sensação de bem estar é verdade, e isto tem muito da alma brasileira de que sempre o melhor esta no amanhã, mas esta sensação não pode nos anestesiar, ainda vale a conversa o convencimento pelas idéias a resistência dentro das regras.
A última tentação da truculência do caudilho é a de “que somos todos iguais” então não há pelo que lutar.

"Acabar com a desigualdade não é tudo" FHC


Entrevista publicada no Estadão deste domingo. 


Rui Nogueira
Acabar com a desigualdade não é tudo; os maus exemplos no comportamento político têm um viés de “democracia popular”; os laços com o corporativismo são fortes, significam um retrocesso e “não são um bom manto para a democracia”.
A síntese é acrescida da percepção de que “há abuso de poder político” e foi feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Ele diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma “assombrosa conversão ao passado”.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no início da semana.
O sr. não acha que os exageros retóricos do presidente Lula vão além da circunstância eleitoral e podem estar desligando da tomada os aparelhos da democracia?
Sinceramente, não acho que o presidente Lula tenha uma estratégia nessa direção. Acho que a democracia tem raízes fortes no País, a sociedade é muito diversificada, a sociedade civil é mais autônoma do que se pensa, as empresas são poderosas, a mídia é poderosa. Não acho que o Lula tenha um projeto para cercear a democracia. O que ele tem é uma prática que, às vezes, excede o limite. E, quando isso acontece, eu me manifesto. A democracia não é um fato dado, é uma constante luta. Se a gente começa a fechar os olhos às pequenas transgressões, se elas vão se acumulando, isso tudo distorce o sentido das coisas.
Há algum problema na origem da nossa cultura política?
Sim, a nossa cultura política não é democrática. Nós aceitamos a transgressão com mais facilidade, nós aceitamos a desigualdade perante a lei, para não falar das outras desigualdades aceitas com mais facilidade ainda. Você tem um arcabouço democrático, mas o espírito da democracia não está consolidado.
E de quem é a culpa?
Não é de ninguém. Mas a responsabilidade para não quebrar esse arcabouço e reforçar o espírito da democracia é de quem tem voz pública. O presidente da República é responsável porque a conduta dele, no bom e no mau sentido, é tomada como exemplar. Portanto, ninguém é culpado, mas há responsáveis.
De que maneira explícita pode então ser atribuída uma cota de responsabilidade nesse processo ao presidente Lula?
Uma das coisas que mais me surpreendeu na trajetória política do presidente Lula foi a absorção por ele do que há de pior na cultura do conservadorismo, do comportamento tradicional. Ele simplesmente não inovou na política.
Dê exemplos.
O Lula adotou o clientelismo. Veja o caso do Amapá, onde o presidente Lula pede voto no fulano e fulano porque é amigo. Depois se descobre que o fulano está envolvido em escândalos, mas aí desenrola-se uma mistificação dizendo que nunca se puniu tanto como no governo dele. Isso é um comportamento absolutamente tradicional. Desde quando passou a mão na cabeça dos aloprados, o critério é sempre esse. No fundo, o Lula regrediu ao Império, aplicando a regra do “aos inimigos a lei, aos amigos a lei”. Ele não inovou do ponto de vista político, mas poderia ter inovado.
O sr. esperava um presidente Lula mais democrático, mas está apontando traços caudilhescos no comportamento dele.
O PT quando foi criado se opunha ao corporativismo herdado do fascismo e de Getúlio Vargas. No poder, o que vemos é que ele ampliou esse corporativismo. O PT trata esse corporativismo como se fosse um movimento da sociedade, quando nós estamos diante da ligação de grupos corporativistas ao Estado e o controle desses grupos pelo Estado.
Responda “sim” ou “não” a esta pergunta: Lula tem alguma tentação a cultivar uma variante para a democracia popular?
Sim.
Explique a resposta.
Lula não tem esse propósito, mas a recorrência do linguajar político e a forma de agir levam à crença de que o que vale é ter maioria. E democracia popular é o quê? A democracia é mais do que ter maioria, o que é conquistado à força pelas ditas democracias populares. Democracia também é respeito à lei, respeito à Constituição, respeito às minorias e à diversidade. Tudo isso é obscurecido nas democracias populares, onde se entende que, se você tem a maioria, você tem tudo e pode tudo. Tem o direito de fazer o que bem entender. O presidente Lula não pensa em fazer isso, mas essas são as consequências do comportamento político que ele tem. Precisa ter limites.
Concretamente, que tipo de limite deveria ser imposto ao presidente Lula?
Não se pode, por exemplo, ver o presidente, todos os dias, jogar o seu peso político na campanha eleitoral. E vem agora uma senhora recém-empossada como ministra-chefe da Casa Civil (N.R.: Erenice Guerra, que caiu na quinta-feira, um dia depois da gravação desta entrevista) acusar o principal candidato da oposição, o José Serra, de “aético”. Acusa por quê? Porque o candidato está protestando contra a violação do sigilo fiscal de sua família. Ela não tem expressão política alguma, mas baseia a acusação no quê? No princípio de que quem pode e quem não pode se sacode.
O sr. foi surpreendido com o discurso do “nunca antes neste País” do presidente Lula?
De alguma maneira, sim, mas nem tanto. O comportamento do Lula, mesmo no tempo de líder da oposição, sempre foi de uma pessoa loquaz, fácil de apreender as circunstâncias políticas, muito mais tático do que estratégico. Ele falou em “metamorfose ambulante” e isso explica bem o seu estilo e caracteriza bem o seu traço de conservadorismo.
Qual foi, então, a sua grande surpresa com Lula?
Achei que ele fosse mais inovador, capaz de deixar uma herança política democrática, mostrando que o sentimento popular, a incorporação da massa à política e a incorporação social podem conviver com a democracia, não pensar que isso só pode ser feito por caudilhos como Perón, Chávez etc. Essa é, aliás, a imagem que o mundo tem do Lula, que ele está incorporando os excluídos – o que já vinha do meu governo, a partir da estabilização econômica, mas é verdade que ele acelerou. Mas Lula está a todo o instante desprezando o componente democrático para ficar na posição de caudilho.
O que está na origem dessa tentação?
Na Europa, já não é mais assim, mas em alguns lugares ainda se acha que acabar com a desigualdade é tudo, que vale tudo para acabar com a desigualdade. Valia até apoiar o regime stalinista, o que Lula nunca foi. O que ele tinha de inovador é que o PT falava de democracia, um lado que está sendo esquecido. Nunca disse uma palavra forte em favor dos direitos humanos. Pode, perfeitamente, dizer que o caso nuclear do Irã não pode servir para atacar o país, lembrar o Iraque, mas, ao mesmo tempo, tem de ter uma palavra forte em defesa de uma mulher que pode morrer apedrejada.
O sr. já disse que o governo Lula tem realizações próprias suficientes para não precisar ser “mesquinho” e usar esse “nunca antes neste País”. Por exemplo?
O governo do presidente Lula atuou bem diante da crise financeira mundial (2008/2009). Isso não é fruto do passado, é fruto do presente. Nas outras áreas, ele deu bem continuidade, mas na crise podíamos ter naufragado e ele não deixou naufragar.
Outro exemplo de bom serviço prestado pelo governo Lula ao País?
Não sei qual a razão, mas o Lula acertou ao não engordar o debate sobre o terceiro mandato. Não sei se está ou não arrependido, mas o certo é que ele não engordou esse debate.
Em compensação, entrou na campanha com se estivesse disputando o terceiro mandato.
E não precisava. Ele podia atuar dentro da regras democráticas, mas está usando o poder político para forçar situações eleitorais. Há até um movimento em que ele se envolve para derrotar senadores da oposição, parece um ato de vingança porque não gostou da atuação deles no parlamento.
A jornalista e colunista do Estado Dora Kramer falou, há dias, de uma “academia inativa por iniciativa própria”. É isso?
A frase pode ser um pouco forte, tem muito intelectual opinando, mas a academia está muito distante da vida, produzindo análises vazias. Lidam mais com conceitos do que com a realidade. Falam muito sobre livros, em vez de falar e escrever sobre o processo da vida. Houve, sim, um afastamento da academia desses desafios. A situação do País é boa, a começar pela situação econômica e social, e isso paralisa muita gente, mas a academia é que tem de manter o senso crítico, alertar, dizer o que está acontecendo e que merece reparos.